27 de fev. de 2024

Herói de guerra mesmo seguindo apenas o prontuário.


Recebo com alegria a notícia que o Pracinha, Cobra Fumante, FEBiano, ex-Combatente da FEB (Força Expedicionária Brasileira), Ricarte da Costa Pestana completou seus 102 anos de idade no último dia 02 de setembro de 2023. Sempre é uma satisfação poder parabenizar nossos heróis eternos que lutaram na Segunda Guerra Mundial.

DIAS, C. M. C. - 2024

O Pracinha Ricarte Costa Pestana nasceu em 2 de setembro de 1921, na cidade de Nazaré das Farinhas (BA) no Recôncavo Baiano e, atualmente, reside em Salvador (BA). Embarcou para os sangrentos campos de batalha da Itália em 22 de outubro de 1944 no navio de transporte General Meigs integrando o Terceiro Escalão da FEB. Chegou na Itália apenas em 06 de outubro de 1944 numa viagem de 15 dias bem difícil. Ricarte Costa Pestana foi da artilharia e estava lotado na Companhia de Petrechos Pesados do 3° Batalhão (11° Regimento de Infantaria - Regimento Tiradentes) como especialista atirador de metralhadora.

Ricarte da Costa Pestana quando foi convocado para lutar pelo Brasil trabalhava na terra com seu pai e formou o grupo de cerca de 700 baianos que rumaram para a guerra; sendo que alguns daqueles bravos não voltaram vivos para o país.

Sempre proativo e trabalhador, em muitas das vezes irônico e sempre super lúcido, o Cobra Fumante retornou da guerra ferido e conta, com riqueza de detalhes, os horrores das batalhas das quais participou os quais ainda causam dor no centenário ex-Combatente. Sua bravura como soldado, porém, frequentemente é louvada pelo Exército Brasileiro que o considera exemplo para os mais jovens e um grande herói eterno da Pátria. A Arma Azul Turquesa agradece em todas as oportunidades o sacrifício de Ricarte da Costa Pestana em favor da liberdade.

Ricarte da Costa Pestana brinda, frequentemente, os ouvintes com suas memórias da guerra relatando tudo: a surpresa da convocação não esperada, a insegurança total em cada batalha travada, o medo e o grande sofrimento dos civis italianos, o intenso frio passado, a fome, os diversos amigos mortos que perdeu, o não tão interessante retorno para casa.

Explica Ricarte da Costa Pestana que sua escolha pela artilharia em particular pelo uso de metralhadora foi intencional, pois quando estava na Vila Militar no Rio de Janeiro em treinamento fez questão de realizar o curso de Atirador de Metralhadora porque naquela época o Brasil se espelhando no exército francês colocaria as metralhadoras na retaguarda em apoio à Infantaria permanecendo bem mais distante do exército rival. “Eu não queria morrer, tinha medo. Aí, eu disse: ‘Ah, vou ficar na retaguarda’. Fiz o curso de metralhadora, passei em 2º lugar em todo o Brasil ...”, conta o Pracinha.

Mas, na Segunda Guerra Mundial o exército americano dava destaque às metralhadoras nas ofensivas e as colocava na linha de frente sendo as primeiras armas a entrar em contato frontal com o inimigo. “Que fora eu dei! Alguns, desertaram. Nunca pensei em desertar. ... eu enfrentei”, explica o herói Ricarte da Costa Pestana não escondendo a decepção.

Outra surpresa sobre as metralhadoras que teria que utilizar foi o peso, em torno de 40 quilos entre a arma em si e a placa base, o pé dela, que era separado, que deveriam ser carregados pelo atirador durante as batalhas. Nada fácil carregar aquilo no frio, na lama, com fome, nas subidas íngremes debaixo das balas das “lurdinhas”" (apelido dado pelos Pracinhas às metralhadoras alemãs MG42).

Nas lembranças recordadas por Ricarte da Costa Pestana impressionante são, também, os relatos sobre a tomada de Monte Castelo. Ele estava lá desde a primeira batalha que ocorreu no dia 29 de novembro de 1944. Até a vitória dos brasileiros transcorreram cerca de três meses em um frio que chegou a 18 graus abaixo de zero. Nas palavras do Pracinha: “A gente dormia em cima da neve, vestia a cama-saco, puxava o éclair e ficava guardadinho. E a cama-saco era calçada por penugens de galinha, de frango, que é a mais quente de todas. Depois do combate, eu fui dormir, estava muito cansado. Mas, quando estava caindo neve, de vez em quando a gente se sacudia para não acumular em cima da gente. Foi um frio de lascar”.

Com tristeza Ricarte da Costa Pestana recorda “Passei muita fome na guerra, muita sede. Não por falta de comida, mas de tempo. Correndo atrás do inimigo. Em combate, a cozinha do exército não podia ir lá, e a gente ficava com fome. Para matar a fome, a gente também derrubava galho de pinho com a metralhadora, para pegar os frutos. Mas, isso não é nada, não. O principal mesmo foi a luta”.

O centenário ex-Combatente relata: “Os alemães circularam um pelotão. E esse pelotão era o meu! Foi aí que veio a maior preocupação. Armando, que era o sargento, disse: ‘Vamos morrer aqui! Ou, seremos presos. Mas, eu tenho uma ideia. Vou mandar um aventureiro ao nosso comando dizendo onde nós estamos e o perigo que está’”. Ricarte da Costa Pestana foi o escolhido. “Eu não tive medo. Uma coisa que sempre esteve comigo é que eu nunca senti medo de nada, em nenhum momento. E aí, os meus colegas: ‘Vá, meu irmão, vá. Vá com Deus! Vá nos salvar!’. Eu saí com granadas e uma metralhadora de mão”, falou na maior simplicidade o herói.

Mas, para Ricarte da Costa Pestana a batalha de Montese (vencida, também, pelos brasileiros) foi a mais difícil e lembra com dor: “Foi onde eu sofri. “Sofri muito mais do que em Monte Castello. Lutas na cidade toda. Nenhuma tropa podia avançar em Montese, porque os alemães bombardeavam todo mundo. ... a rua cheia de gente. Fogo por todos os lados. Nosso lado atirando para o lado deles, os civis… eu com pena dos civis. Meninos, mocinhas, rapazinhos… iam passando pela rua, chorando. Eu falava com o meu ajudante para pegar todos e deixar junto a mim. Mas, se ele fosse, ele morreria. Fogo cruzado. Estava chovendo, aquela chuva fina. Lama por tudo quanto é lugar”.

“Depois do combate, a gente não podia dormir dentro de nenhuma casa, porque estava tudo em ruínas. Eu juntei os corpos mortos, alemães. Botamos as mantas por cima e fomos dormir. Dormi em cima de morto! Mas, não tinha medo de nada”, conta o destemido soldado.

Devido aos excelentes serviços prestados nos campos de batalha Ricarte da Costa Pestana foi um dos cinco combatentes de sua companhia classificados como “Herói de Guerra” e que ganhou passaporte para “passear” pelo continente depois da guerra. Foi o titular do passaporte número 1. Sobre ser classificado como “Herói de Guerra” ele é categórico ao afirmar: “Tudo o que eu fazia de ‘heroísmo’ estava no prontuário. ... eu nunca fui herói de guerra, não. Ao contrário. Por não ter medo, eu fazia de tudo para me livrar, para voltar vivo para a minha família. E esse tudo, para o Exército, era heroísmo. Na minha companhia, tinha 200 homens. Só cinco tiveram passaporte”.

Mas, Ricarte da Costa Pestana é Herói de Guerra e já integra a Galeria dos Imortais da Pátria.

Sempre respeito, reconhecimento e agradecimento ao Herói de Guerra Ricarte da Costa Pestana.

Hurra! Hurra! Hurra! Salve, Salve! Salve! Salve Cobra Fumante Pracinha FEBiano Ricarte da Costa Pestana!

Carlos Magno Corrêa Dias
27/02/2024